Recente matéria publicada na mídia destacou que parlamentares da Câmara dos Deputados já estão se movimentando para apresentar uma nova proposta de Reforma da Previdência em 2025. Trata-se de um tema sempre delicado, principalmente após a reforma de 2019 que tornou o caminho dos trabalhadores e trabalhadoras do país mais difícil para a sonhada aposentadoria.
Importante destacar que o debate sobre mudanças no sistema previdenciário brasileiro é necessário, mas não pode apenas ter o viés financeiro como ponto de partida da discussão. Essa nova proposta que deverá ser estudada por deputados e senadores parece ter como ponto de partida a questão do aumento de ao menos R$ 100 bilhões que a Previdência Social terá em suas despesas nos próximos quatro anos devido à política de valorização do salário mínimo instituída pelo atual Governo Federal.
Essa narrativa da contenção do crescimento das despesas da Previdência Social é defendida por ser necessária para garantir a sobrevivência do novo arcabouço fiscal. E por ser baseada nessa questão arrecadatória, se fala em até na desvinculação dos benefícios previdenciários da correção do salário mínimo, além de uma nova reforma nas regras das aposentadorias e pensões. Embora haja manifestação contrária do governo com relação a este retrocesso social.
São todas essas questões pensando apenas no ajuste de contas dos cofres da União. Ou seja, tem uma visão míope do sistema previdenciário, muito focada apenas no fator financeiro e pouco (ou nada) no social. A previdência pública hoje se mostra como o maior alicerce na base da pirâmide social brasileira, onde aposentados, órfãos e incapacitados utilizam seus pagamentos mensais para sobreviverem.
Sinceramente, acredito que seria positivo um novo debate popular sobre possíveis mudanças na Previdência Social brasileira. E, se for realmente para ter uma nova reforma da Previdência, que haja um sério estudo do impacto social. Como exemplo, se pegarmos duas localidades dentro da cidade de São Paulo, como o bairro periférico de Cidade Tiradentes, onde a expectativa de vida é inferior a 60 anos, enquanto no bairro nobre de Alto de Pinheiros, essa mesma expectativa supera os 80 anos, conseguimos enxergar uma distorção social em um raio de poucos quilômetros de diferença. Imagina estender esse estudo para todo o país. Quanta distorção não encontraremos. Por isso, antes de qualquer mudança significativa nas regras atuais, é preciso um amplo estudo de impacto social. Senão marcharemos para uma situação na qual, cada vez mais, o pobre vai morrer trabalhando, sem chegar na aposentadoria. Não podemos ser um país no qual apenas a classe mais abastada terá acesso a aposentadoria.
Além disso, esse seria o momento também para a correção de anomalias trazidas pela reforma de 2019. Um dos casos é o do benefício por incapacidade, a aposentadoria por invalidez, que atualmente tem um valor menor do que o auxílio-doença, que é temporário. O segurado acometido de uma incapacidade mais severa e permanente recebe menos do que o trabalhador que possui prazo de recuperação. Cito também outro caso, que é o da pensão por morte, onde um seguro social que é pago mensalmente, no caso de uma fatalidade para deixar uma pensão digna para a família, hoje, chega a ter um valor de menos da metade do que seria antes da reforma. O trabalhador paga compulsoriamente por anos e a família recebe apenas uma pequena fração.
Finalizo com a aposentadoria especial, o benefício mais prejudicado com a reforma da Previdência de 2019. Tivemos diversas regras que endureceram a concessão dos benefícios e prejudicaram o cálculo, mas a especial foi a mudança legislativa mais assustadora. A aposentadoria especial é uma proteção social para o trabalhador que expõe diariamente a sua saúde em risco. Tem direito à aposentadoria especial o segurado que trabalha, como exemplo, exposto a frio, calor, ruído, agentes biológicos (como os vírus), eletricidade, entre outros.
Pelas novas regras os trabalhadores que entraram jovens nesses serviços especiais terão de contribuir por até uma década a mais.
Antes de 13 de novembro de 2019, o segurado que trabalhou por 15, 20 ou 25 anos em condições especiais poderia se aposentar, independentemente da sua idade. Esses anos variavam de acordo com a exposição e atividade que exercia.
A reforma da Previdência foi draconiana para o segurado especial e deixou a aposentadoria mais difícil, porque agora é preciso cumprir uma idade mínima. Já imaginou, além de trabalhar por 25 anos exposto a ruído, ter que cumprir uma idade mínima? Isso vai tornar a saúde do trabalhador ainda mais debilitada em sua velhice. Teremos um custo maior com saúde pública, pois teremos uma geração de idosos doentes.
Portanto, ao se falar uma nova reforma na Previdência Social brasileira é preciso olhar mais para o social, do que para o cofre. Já temos uma série de obstáculos e distorções que foram criadas pelo último texto. Sabemos que a Previdência Social tem um grande impacto financeiro, mas não podemos cortar ainda mais o cobertor do segurado e segurada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que contribui mensalmente para ter um futuro digno.
*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário